terça-feira, 31 de maio de 2011

Desabafo...



Conheci muitas pessoas no decorrer dessa minha pequena/longa vida, algumas lembro apenas do rosto, outras apenas do nome, tem aquelas que vem a lembrança pelo perfume, e existe as que marcaram pela atitude. E é assim com todo mundo, seria loucura demais se dissesse que qualquer uma dessas minhas lembranças viesse a ser particularidade minha.
É impressionante a forma como o ser humano tem o poder de "marcar" o outro, de cada uma dessas minhas lembranças tenho uma "marca" que levarei comigo onde for.
Estava fazendo agora a pouco algumas leituras esporádicas... e me deparei com o texto de um "conhecido" que, infelizmente, não merece ter o nome citado, e foi aí que me dei conta de como essa pessoa me marcou com tanta força, confesso que me assustei na hora de tamanha percepção, pois suas atitudes são tão fúteis, egoístas e ignorantes.
Mas é aí que está, eu não havia me dado conta disso, essa marca é uma das mais importantes, foi uma das que mais me ensinou, não quero ser como ela, não quero agir como ela nem falar, pensar ou outra coisa qualquer. Não quero.
Confesso que me revoltei quando percebi que tinha permitido a entrada de alguém tão "pobre" num lugar onde reservo àqueles que mais estimo e admiro, porém, hoje, agradeço. Não percebi apenas o meu eu, mas me dei conta que aqueles que, como eu, expuseram-se à sua convivência também foram marcados e compartilham da minha gratidão.
                                                                                  Jéssica Hoisler

sábado, 28 de maio de 2011

Mistério

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.


Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas...

Talvez um dia entenda o teu mistério...
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

(Florbela Espanca - Charneca em Flor)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Eu quero...



"Eu quero um colo, um berço,
um braço quente em torno ao meu pescoço.
Uma voz que cante baixo
e pareça querer me fazer chorar.
Eu quero um calor no inverno...
Um extravio morno de minha consciência
e depois sem som, um sonho calmo,
um espaço enorme,
como a lua rodando entre as estrelas."
                Fernando Pessoa

domingo, 22 de maio de 2011

Insetos

Parecem rochas, mas são ninhos de cupins. Parecem frutos, mas são colméias. Parecem nuvens, mas são enxames. Parecem longe, mas são pequenos. Parecem ortos mãs são quietos. Parecem terra, mas estão vivos. Parecem letras nos livros. Parecem infensivos. Parecem grandes mas estão perto. Parecem lerdos mas estão quietos. Parecem ser, mas são incertos.


Arnaldo Antunes
(As Coisas, p85, 9ªed, 2006)




P.S. O livro é muuuuito bom... Vale a pena ler.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Não entendo...

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Clarice Lispector

terça-feira, 10 de maio de 2011

Para se roubar um coração...

Para se roubar um coração, é preciso que seja com muita habilidade, tem que ser vagarosamente, disfarçadamente, não se chega com ímpeto, não se alcança o coração de alguém com pressa. 
Tem que se aproximar com meias palavras, suavemente, apoderar-se dele aos poucos, com cuidado. 
Não se pode deixar que percebam que ele será roubado, na verdade, teremos que furtá-lo, docemente. 
Conquistar um coração de verdade dá trabalho, 
requer paciência, é como se fosse tecer uma colcha de retalhos, aplicar uma renda em um vestido, tratar de um jardim, cuidar de uma criança. 
É necessário que seja com destreza, com vontade, com encanto, carinho e sinceridade. Para se conquistar um coração definitivamente tem que ter garra e esperteza, mas não falo dessa esperteza que todos conhecem, falo da esperteza de sentimentos, daquela que existe guardada na alma em todos os momentos. 
Quando se deseja realmente conquistar um coração, é preciso que antes já tenhamos conseguido conquistar o nosso, é preciso que ele já tenha sido explorado nos mínimos detalhes, que já se tenha conseguido conhecer cada cantinho, entender cada espaço preenchido e aceitar cada espaço vago... e então, quando finalmente esse coração for conquistado, quando tivermos nos apoderado dele, vai existir uma parte de alguém que seguirá conosco. 
Uma metade de alguém que será guiada por nós e o nosso coração passará a bater por conta desse outro coração. 
Eles sofrerão altos e baixos sim, mas com certeza haverá instantes, milhares de instantes de alegria. Baterá descompassado muitas vezes e sabe por que? 
Faltará a metade dele que ainda não está junto de nós. 
Até que um dia, cansado de estar dividido ao meio, esse coração chamará a sua outra parte e alguém por vontade própria, sem que precisemos roubá-la ou furtá-la nos entregará a metade que faltava. 
... e é assim que se rouba um coração, fácil não? 
Pois é, nós só precisaremos roubar uma metade, a outra virá na nossa mão e ficará detectado um roubo então! 
E é só por isso que encontramos tantas pessoas pela vida a fora que dizem que nunca mais conseguiram amar alguém... é simples... é porque elas não possuem mais coração, eles foram roubados, arrancados do seu peito, e somente com um grande amor ela terá um novo coração, afinal de contas, corações são para serem divididos, e com certeza esse grande amor repartirá o dele com você.

          Luís Fernando Veríssimo

domingo, 1 de maio de 2011

Dizem que a gente tem o que precisa. Não o que a gente quer. Tudo bem. Eu não preciso de muito. Eu não quero muito. Eu quero mais. Mais paz. Mais saúde.Mais dinheiro. Mais poesia. Mais verdade. Mais harmonia. Mais noites bem dormidas. Mais noites em claro. Mais eu. Mais você. Mais sorrisos, beijos e aquela rima grudada na boca. Eu quero nós. Mais nós. Grudados. Enrolados. Amarrados. Jogados no tapete da sala. Nós que não atam nem desatam. Eu quero pouco e quero mais. Quero você. Quero eu. Quero domingos de manhã. Quero cama desarrumada, lençol, café e travesseiro. Quero seu beijo. Quero seu cheiro. Quero aquele olhar que não cansa, o desejo que escorre pela boca e o minuto no segundo seguinte: nada é muito quando é demais.

 Caio Fernando Abreu